29 de mai. de 2020

ODEIO HISTÓRIAS DE AMOR - UMA VEZ TIVE UM NAMORADO EM VERRIDE

Esta história cruzou-se comigo num pequeno restaurante tradicional da baixa da cidade de Coimbra - o Beirāo. Chegou a mim por acaso e porque o nosso ímpeto “voyeurista” não nos permite ausentarmo-nos das conversas alheias.
Como “amo Montemor” aquela frase foi a espoleta da minha atenção
- uma vez tive um namorado em Verride...

Já tinha percebido que aquelas duas mulheres que ali conversavam tinham uma qualquer ligação a Montemor mas agora eu queria perceber melhor até onde ela ia.
Vim a perceber que a protagonista tem hoje 93 anos. Levantei o olhar e não pude deixar de me espantar. Alta, escorreita, lúcida, aparentava pelo menos menos 15 anos.
Continuou:
- gostava muito dele mas até desabafei com a minha mãe “o homem com quem casar há-de ser limpinho ( interessante esta característica, pensei eu!) e não pode ser ciumento”. Ora ele era muito ciumento e por isso deixei-o ( talvez também não fosse limpinho, pensei novamente!). Sei que casou e tiveram um filho. Eu cheguei a conhecê-la. Já eu felizmente encontrei um homem limpinho e que não tinha essa porcaria do ciúme. Eu pude sempre fazer o que queria e ele também. Tivemos filhos e uma boa vida.
Há três anos a minha neta foi estudar para as Caldas da Rainha e eu ia levá-la todas as segundas-feiras. Ela tinha sempre combinado com mais duas ou três pessoas para eu apanhar nas bombas de gasolina de Montemor e levar para as Caldas. Eles chamam-lhe ... acho que é “carsharing”!

Uma dessas manhãs de segunda-feira apanhámos um rapaz cujas feições me despertaram memórias muito antigos. Ele fazia-me lembrar a mulher com quem o meu namorado de Verride casou.Perguntei-lha porque ia para as Caldas. Ia visitar a avó. Perguntei-lhe como a avó se chamava. Acertei na "mouche"!. Ele quis sabier como sabia eu o nome da avó e eu contei-lhe um resumo da história. Ficou radiante e acabou por fazer questão que eu reencontrasse o avô. Concordei.
Uma curiosidade despertou no meu coração e 3 dias depois deu-se o reencontro. Ele não me reconheceu. Estava velho e amargo e quando o neto lhe disse quem eu era a única observação que conseguiu fazer foi "mas tu tinhas o cabelo comprido".
Claro que tinha. Naquele tempo não nos deixavam cortar o cabelo, portanto só o fiz quando tive liberdade para isso e desde aí uso sempre o cabelo curto. Então respondi, sêca: "Agora este é o meu cabelo", como quem diz, se não gostas, azar o teu!
Dois dedos de conversa trivial e nunca mais nos vimos. O que imaginei que poderia ser um círculo que se fechava afinal foi um final sensaborão, uma desilusão, talvez porque eu fora feliz. A imagem romantizada daquele amor morreu ali, de forma inglória.

Nota: 
Esta história é a antítese da história de amor que eu odeio porque, acabando mal, do meu ponto de vista acabou bem, porque o que eu odeio nas histórias de amor que só se concretizam tarde na vida é o tempo que fizeram perder e a dor que provocaram. A alegria que fazem renascer é boa mas não substitui nem apaga a tristeza passada.
Nesta história afinal não houve tristeza nem sofrimento e muito menos tempo perdido mas escrevo-a porque não a odeio e porque me ajuda a ilustrar porque odeio as outras, as que acabam "bem".

In: Restaurante Beirão, Baixa de Coimbra, 22/1/2020 

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