11 de nov. de 2016

"A única forma de entender a pintura é ir e vê-la" Auguste Renoir

'Pedem para se sentar na minha mesa e aceito com um sorriso (sincero!). Em Portugal ficaria muito incomodada e provavelmente mudaria de mesa ou ia-me embora rapidamente. Aqui é-me indiferente porque nāo percebo nada do que dizem e posso alhear-me. Na Alemanha é normal este "abuso".
Estou na cafetaria do Museu Wallraf em Colónia. Peço um "brownie" e um "black coffee". Ambos razoáveis! Acontece-me muito aqui que as expectativas sejam frustradas por uma qualidade sofrível das coisas em sítios que aparentemente têm qualidade (como se diz a brincar: as iludências aparudem!). É mais uma achega ao meu orgulho "tuga" pois talvez em Portugal afinal seja mais fácil encontrar qualidade em lugares de referência como este!?
Sento-me para este reconfortante café após ter visitado a exposiçāo de 64 obras extraordinárias, agora doadas aos museus de Colónia e Zurique mas que pertenciam à colecçāo particular de Bührle, um alemāo que fez enorme fortuna na Suiça na indústria do armamento !!



Nāo sei explicar o prazer que me dá olhar pela primeira vez para um original de Cézzane, de Van Gogh, de Manet, etc. Perceber que gosto muito de Manet e também de Monet. Que o Picasso exposto nāo me entusiasma. Que nāo saberia distinguir por mim própria um impressionista de um modernista ( e que preferi de longe os primeiros), que o que adoro em toda a pintura é a luz, a mestria na arte de dar luz, nāo importa em que estilo, escola ou época, que a precisāo do traço é irrelevante se a luz for boa. Adorei Cuyp, que nāo conhecia - fiquei estupefacta com a luz.
Mas a comoçāo, o nó na garganta só veio quando, ao dobrar uma esquina, tchanannn!, Degas. Adoro Degas e especialmente adoro aquela "Pequena bailarina de 14 anos". Meu Deus, nunca imaginei que veria esta escultura de perto! O prazer de ver aquela perfeiçāo imperfeita emocionou-me. Sou mais sensível à escultura do que à pintura. Invejo o talento extraordinário por trás de cada escultura. Por exemplo, nāo aprecio arte medieval (embora goste de algumas manifestaçōes da cor e da forma) mas as esculturas em madeira típicas da arte sacra da época, bonitas ou feias, sāo extraordinárias.
Mas Degas emociona-me. Não sei se são as bailarinas, embora segundo ele o tema obsessivamente recorrente era apenas o meio de chegar às cores, ao movimento e às texturas. As bailarinas foram também o meu primeiro contacto com a arte, a beleza da arte, e com o desenho. Desenhei muitas bailarinas até chegar à forma que me satisfazia. Passei muito tempo na Gulbenkian a aperfeiçoar o meu desenho. Hoje percebo que foi um tempo de prazer. Talvez Degas seja essa evocação do prazer do desenho na minha juventude, sei lá!
Como filha duma família da classe média trabalhadora que se esforçou (sem êxito mas também sem culpa) para que tirasse um curso universitário, nāo tive a arte em casa, quotidianamente, mas tive o acesso e se nāo o usei mais e melhor, como a maioria dos meus pares nāo fez, mea culpa. Mas há uma semente neste espírito "ignorante" que é sensível à arte e ao conhecimento. A arte tem uma vibraçāo a que sou muito sensível e sinto muitas vezes que ela seria, se a tivesse, a minha libertaçāo. Como nāo tenho arte vou, pelo menos esporadicamente, apreciando arte. E faço-o com mais prazer ainda por profundo respeito aos que nāo podem fazê-lo.
As senhoras que me acompanharam neste desabafo, bebendo o seu chá e conversando na língua de Goethe, levantam-se e uma delas, simpaticamente, curiosa por me ver escrever tanto num caderninho tāo pequenino, dirige-se a mim com um sorriso e diz num inglês esforçado - Espero que nāo a tenhamos incomodado muito?
- Nāo, de todo. Foi um prazer!



A visitar em Colónia / Köeln
Museu wallraf-richartz
Obenmarspforten
Am Kölner Rathaus
D-50667 Köln

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