Mas hoje, a ignição da minha imaginação foi um cheiro, ainda que quase imperceptível, a madeira queimada, a fumo de lareira.
Estava de cabeça baixa, no meu posto de atendimento e antes dela chegou aquele cheiro a lenha ardida que me fez procurar, curiosa, de onde vinha aquele início de história.
À minha frente não estava um bombeiro bonacheirão, um madeireiro rude ou um incendiário disfarçado! Não. Estava uma mulher de meia idade, bonita e serena mas com umas rugas suaves e lindas, marcas de uma vida de trabalho. A roupa era de lã, em tons outonais, e as mãos tinham unhas curtas, eram grossas e um pouco encardidas. A minha história começou a desenrolar-se:
Leonor tirou o curso de arquitectura, em Coimbra, antes de Bolonha!, e com boa nota. Não foi fácil arranjar emprego na sua área e começar do zero como independente é muito difícil. Acabou por aceitar um trabalho em Lisboa. A remuneração não era má embora não conseguisse poupar nada para um sonho de futuro. Tudo ficava nos transportes, na renda, nas esmolas às dezenas de pedintes que nos assediam todos os dias, nas saídas com os novos amigos e nas roupitas da moda, que lá no trabalho andava tudo bem vestido.
O trabalho acabou por se revelar desinteressante, muito longe do idealismo de mudar o mundo pela arquitectura como faziam ou fazem os grandes nomes que a inspiravam - Zaha Hadid, claro!, Calatrava, Niemeyer, Gehry, Siza e Souto Moura, obviamente, entre muitos outros. Afinal fazia só trabalho burocrático e quanto ao criativo, esse não era para ela, tinha que esperar. Instalou-se então uma frustração, um vazio difícil de explicar. Nas relações outro vazio, uma solidão no meio de grupos que falavam alegres nas jantaradas dos restaurantes da moda, que contavam piadas inteligentes e partilhavam "likes" em fotos de férias, fins-de-semana e noitadas sempre maravilhosas e cheias de "glamour". Mas afinal as conversas pareciam-lhe vazias, fúteis, os risos eram estridentes e tudo era cansativo. Tudo!!
À noite, enrolada no sofá com o seu gatinho Picolo ao colo, lembrava-se duma vida mais livre, mais genuína, menos glamorosa mas mais autêntica.

Hoje tem ainda menos dinheiro, trabalha horas sem fim, o seu projecto não lhe permite muitas moinas mas o seu gato é livre e feliz, a sua família está perto e dá-lhe apoio e carinho, apesar de também a controlar mais do que ela já estava habituada, revê os vlhos amigos quando quer e os risos são francos, sinceros. Sente-se confortável e é isso que importa!
Na aldeia, quando chega o Outono gosta de acender a lareira, o Picolo senta-se ao seu colo e com o seu computador portátl nos joelhos promove os seus produtos nas redes sociais, procura mercados e novos clientes e vai pondo uns "likes" nas fotografias das noitadas glamorosas dos seus colegas de Lisboa.
O cansaço, aquele cansaço de tudo?!! Desapareceu.
Há um cansaço do corpo mas que diminui com uma caneca de café e uma fatia de pão-de-ló que faz ao fim-de-semana no fogão de lenha da avó.
A vida aqui é perfeita? pergunto-lhe
Nãããão !!! Mas é vida! responde ela, deixando-me sem palavras.
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