1 de mai. de 2016

Que me desculpem os silenciosos!

O silêncio é um manto que cobre, esconde, protege. Mas ele também abafa, escurece, imobiliza, cria a dúvida, cria o mal entendido e a incerteza. Não esclarece, não ilumina.
Adoro o silêncio enquanto ausência de ruído, enquanto espaço e tempo aberto para o pensamento e a beleza, para o simples estar, para a quietude e para a respiração serena. Adoro o silêncio denso, quase  sensorial, que se sente e que se ouve de tão silencioso que é.
Nas relações humanas acredito que o silêncio - o verdadeiro, aquele que se faz porque se quer, porque se gosta, em comum, de sentir e ouvir - é uma conquista, revela um nível superior de entendimento. Quando disfruto o silêncio com um amigo ou com a pessoa que amo tenho uma sensação de orgulho, de prazer espiritual. O silêncio disfrutado em comum aproxima, consolida o amor e a amizade. Ficar calado sem ficar constrangido ou desconfortável, sem perder a conexão com o outro, é extraordinário.
Mas há também o silêncio que abomino, que não compreendo e que não pratico. O silêncio que para mim é sempre escuro, sem luz, cruel e que reveste várias formas, todas elas destruidoras do outro, do que espera palavras, esclarecimentos (no sentido de tornar claro, iluminado) e recebe silêncio.
Há um silêncio que é egoista. Cala porque não pensa no outro mas apenas em si.
Há um silêncio que é cruel, que visa atingir e magoar. É uma arma poderosa, usada para ferir e derrotar. Um silêncio que ganha batalhas mas sem glória, sem drama, sem honra e que no fim perde a guerra da paz, inviabiliza a conexão com o outro e o entendimento.
Há um silêncio cobarde, praticado pelo medricas, pelo que se julga incapaz e prefere a dúvida ao esclarecimento, que se protege do outro cortando a conexão com ele. O silêncio que queima pontes e cria solidão, para ambas as partes.

Há ainda o silêncio que eu considero auto-fágico, que tomando qualquer uma das outras formas, tem como consequência última destruir o silencioso. Um silêncio que acaba num grito mudo, revelado através da ruina fisica e/ou psicológica do seu amo. Um silêncio que destroi o corpo do que encerra as palavras dentro de si e que, não as libertando, as transforma em veneno puro, corrosivo, como uma ferrugem que destroi o aço das barras que tentaram conter as águas livres, apodrecendo-as.

Compreendo a parcimónia nas palavras, compreendo que há comunicação não verbal muito poderosa e eloquente e que nem sempre as palavras são necessárias. Mas cada pessoa interpreta as atitudes com o seu próprio código, que é diferente do do outro, que atribui significados diferentes dos do outro. Logo, o silêncio potencia o mal entendido, potencia a expectativa enganosa (ou enganada) ou a desilusão errada.
O silencioso é desrespeitador da expectativa do outro, é mais cruel e mais mal educado do que aquele que usa palavras duras e agressivas. É verdade que muitas vezes as palavras apenas revestem as atitudes que as precederam, mas as palavras revelam o compromisso com a atitude, consolidam, gravam, fortalecem.
As palavras também minimizam, põem em perspectiva, limam as arestas, desagravam, abrem caminho, serenam o coração.
Eu sei que as palavras também podem ser tudo o que de mau o silêncio pode ser, mas trocar palavras pode abrir caminhos de convergência, já trocar silêncios, humm!, pode abrir caminhos de afastamento.



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