Assalta-me um sentimento de fragilidade quando me contam histórias de desmoronamento de vidas.
Quando a vida nos corre bem sentimo-nos fortalezas inabaláveis. Mas a vida näo é assim, ela é uma montanha russa, excitante mas cheia de altos e baixos.
A história que vos vou contar também me foi contada a mim, em pinceladas largas mas suficientemente definidas para antever todo o quadro:
Ao fim de mais de 3 décadas de trabalho lá fora amealharam o suficiente para voltar à terra natal, montar um negociozito e esperar confortavelmente pela velhice, em paz. Para trás ficou um país mais frio, também humanamente mais frio, e o único filho que também já lá tinha a sua própria família. Afinal hoje o mundo é pequeno e eles sempre podem vir no Natal e no verāo!
Construíram uma vivenda digna de um emigrante e abriram um negócio de sapatos. Tudo correu bem. O senhor era bom homem e a mulher ajudava, os clientes gostavam deles, eram fiéis e tudo corria sobre rodas.
Mas a vida nāo corta a direito, nāo segue linhas, nāo tem carris!
Por volta dos 75 anos um conjunto de acontecimentos surgiram em catadupa e fizeram desmoronar aquela vida. Nāo conheço pormenores nem tenho referências cronológicas mas passou-se mais ou menos assim:
O Madoff tramou os ricos, os bancos tramaram tudo e nós levámos com a maior crise das últimas décadas. A sapataria da vila deixou de vender, o coraçāo ressentiu-se e desatou a provocar danos vários - um olho cegou, o outro está a esforçar-se por cegar também, embora os médicos insistam em nāo deixar, por isso nāo pode conduzir, por isso tem que ir muito ao hospital e por tudo junto depende de amigos que felizmente ainda tem.
Ele era um homem bom, nāo que fosse propriamente generoso, mas era bom!! - diz-me o homem bom que me conta a história e que se conta entre os amigos que o conduzem várias vezes por mês ao hospital. E nāo poderia ser de outra forma porque a crise e a doença trouxeram o desleixo, o negócio afundou mais e levou-se à insolvência. Perdeu tudo, o dinheiro que amealharam, a vivenda que com orgulho construíram, os carros que já nāo poderia conduzir e até a mulher que, também cansada e triste, nāo aguentou tanto esconbro e deixou-o sozinho, cego e pobre. A pensāo é mínima e nāo chega para o taxi do hospital, nem sequer para gratificar o amigo que generosamente o traz mais do que uma vez por mês e que sentado à minha frente me conta a história daquela vida desmoronada.
No meio de tanto azar ainda teve sorte porque o advogado que lhe nomearam para o representar no processo de insolvência é bom homem e meu amigo - diz o meu interlocutor - mesmo agora com tudo acabado ainda lhe trata de coisas sem levar dinheiro! Conclui.
Voltando à nosss história: com uma pensāo tāo pequena e sem capacidade para trabalhar, nāo tinha dinheiro para uma renda. Acabou a partilhar uma pequena casa com uma surda-muda que pouco o pode ajudar, senāo com companhia, o que nāo é pouca coisa!
Mas o que queria saber é se ele já tem actividade fechada? É que o TOC nāo enviou declaraçōes e ele nāo se podia livrar dele ne cessar actividade e por isso as finanças continuam a chateá-lo, com oficiosas e coimas.
Meu Deus! Estou também arrasada com tantos escombros! Mas há uma bondade tocante na voz serena daquele homem e a sua atitude generosa é admrável.
Sinto nele algo bom que nāo sei explicar e chego até a ver-lhe uma lágrima a espreitar nos olhos. Penso que se comoveu mais uma vez com a história do seu amigo. Mais tarde percebo que nāo, que afinal também ele tinha uma história de desmoronamento que lhe assomara aos olhos em forma de lágrimas quando por trás de mim viu passar a minha colega que anos antes o atendera por entre os seus escombros, provocados pela morte prematura de um filho. Desde o dia em que partilhou com ela tamanha dor nunca mais lhe dirigira a palavra, porque as palavras nāo eram necessárias!! Cada vez que se cruzaram ao longo destes anos todos trocaram antes lágrimas, solidárias e eloquentes, porque cada um de nós já desmoronou alguma vez na vida e ficamos para sempre ligados a quem nos encontrou nos escombros.
Despedi-me com um singelo bem haja que me retribuiu generosamente, como se eu merecesse!
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