ROTA DA DOÇARIA CONVENTUAL
Quando falamos da gastronomia de Montemor-o-Velho, temos que ter em conta a influência marcante da doçaria conventual.
A organização familiar e o estabelecimento do morgadio, lançaram nos conventos centenas e centenas de jovens mulheres, frescas solitárias noviças, mais aptas para o amor do que para a mística e o saltério.
Mas são elas, as criadoras dos pontos de açúcar, de uma cozinha e de uma doçaria excelente e excitante que atrai à roda dos conventos uma chusma de freiráticos, de estudantes, de clérigos e de poetas.
1. PRIMEIRA VIAGEM: PEREIRA
O viajante vai a caminho do Mondego. Deixou para trás Coimbra e entra nas terras de planura do Rio e, na sua margem esquerda, encontra enterrados grandes tesouros.
O primeiro é o Real Colégio Ursulino das Chagas fundado na Vila de Pereira no ano de 1748, tendo Iniciado o trabalho de ensino de meninas, somente depois de 1753. Vocacionado para o desenvolvimento das aptidões naturais do sexo feminino, os seus princípios pedagógicos, destinavam-se a fazer da menina ou da adolescente, uma mulher cristã, sabendo conciliar os afazeres domésticos com os deveres religiosos.
É neste contexto que se deve inscrever a receptividade local às religiosas da Ordem de Santa Úrsula, tendo a seu favor um passado, quase centenário, dedicado à instrução feminina e ao reconhecimento público da sua actividade pedagógica.
O seu percurso nesta localidade, foi marcado por períodos de grande privação, em especial aquando das invasões francesas e da guerra civil, obrigando a comunidade a refugiar-se em localidades mais seguras, nos momentos de maior perigo. Paralelamente, as dificuldades económicas e o reduzido número de educandas são quase uma constante.
Mas, parece que o corpo legislativo que saiu desta conjuntura revolucionária, em particular os decretos que proibiram o noviciado e extinguiram as ordens religiosas, respectivamente, de 1833 e 1834, não afectou muito este Colégio. Tal facto, talvez possa estar relacionado com o isolamento da localidade onde estava instalado, com o peso dos valores do catolicismo na mentalidade popular e com a reconhecida utilidade pública da sua actividade.
As consequências mais decisivas no evoluir da comunidade, parecem sim residir em toda uma série de epidemias, de origem palúdica que converteram a Vila de Pereira num local empestado e amaldiçoado quazi todos soffreram mais, e não poucos succumbiram, conforme escreve o jornal O Observador, no seu nº 35, de 3 de Fevereiro de 1848. Ainda segundo a mesma fonte, as causas eram motivadas pelas águas estagnadas do Paul de Arzila e pela falta de limpeza das respectivas valas; pela existência do cemitério no Adro da Igreja, ficando este mais baixo que a vala, acontecendo que os cadáveres eram enterrados, melhor diremos, mergulhados em agoa e com pouca profundidade; na má qualidade dos alimentos e na falta de assistência, pois, não raros foram os momentos em que o boticário se ausentava e o medico também padecia da moléstia.
Este cenário impôs o abandono definitivo desta localidade, para grande tristeza da população, já que ele era o único estabelecimento que dava a Pereira alguma concorrência e importância. Tal facto, veio a ocorrer em Março de 1848, transferindo-se o Real Colégio Ursulino das Chagas para o Convento de Santa Ana,
Começou por ser uma pequena comunidade, formada pela filha, mulher e parentes de D. Francisco Botelho, no meado do séc. XVIII. O bispo D. Miguel da Anunciação mandou-lhes construir um pequeno edifício, segundo projecto do arquitecto Frei João da Soledade, para o qual entraram a 2 de Fevereiro de 1748. Em 1753 ã recolhidas ingressaram no instituto das Ursulinas, começando a ter um colégio feminino. O edifício foi-se ampliando, de modo a formar um quadrilátero em volta dum pátio central. As febres palustres obrigaram as religiosas a transferirem-se, em 1848, com o colégio para o convento de Santa Ana de Coimbra, do qual passaram para o colégio de S. José dos Marianos.
A parte que resta, a Quinta de São Luís, parece não ter feito inicialmente parte do colégio e ter sido adquirida tardiamente.
O colégio caiu na maior parte e no restante foi de tal modo transformado que se pode considerar desaparecido. Ao longo duma rua da povoação ainda se notam as paredes da modesta capela, e interiormente fragmentos de azulejo do século XVIII.
A Quinta de S. Luís conserva a elegante fachada do século XVII com algumas aberturas da parte baixa feitas no século seguinte, além das do presente. Flanqueavam a mesma fachada, no andar nobre, duas varandas entaladas, de quatro vãos, formadas de colunelos dóricos, levantados
Saindo da Quinta de São Luiz, como hoje é vulgarmente conhecido o antigo Colégio das Ursulinas e atravessando a linha de caminho de ferro, poderá o viajante procurar nesse local as deleitosas queijadas. Mas siga o nosso concelho: coma-as acasaladas, pois, segundo a tradição, só assim o seu gosto será perfeito.
Continuando pela Vila de Pereira e após atravessar a linha de comboio, encontramos do nosso lado direito o Celeiro dos Duques de Aveiro, um edifício de arquitectura utilitária de óptima traça, não só quanto à funcionalidade do interior e perfeitamente adequada à função mas também quanto aos materiais empregues. O despojamento decorativo do edifício decorre naturalmente da função que ocupava. Classificado como Imóvel de Interesse Municipal, o celeiro foi construído no século XVI pelos Duques de Aveiro, tendo como função recolher os cereais, principalmente o milho, proveniente das terras do ducado. Há notícia do brasão dos Lencastre ter sido danificado no século XVIII.
Apresenta planta rectangular simples, regular e disposta longitudinalmente. A fachada principal é composta por pano único limitado pela escada de acesso ao segundo piso e pelo cunhal pétreo. Os dois pisos são definidos pela linha da fenestração, com uma janela gradeada e uma porta de volta perfeita no primeiro registo e uma fresta de emolduração em pedra, no segundo. A marcar a transição entre os dois, insere-se a escada de dois lanços, fruto de restauro recente o primeiro, sendo o segundo coberto por um alpendre assente em pilares, que cobre duas portas de verga recta, apresentando a principal o brasão dos Lencastre, no lintel. Remata em cornija simples que serve de suporte ao telhado de beiral saliente.
O alçado Norte tem pano único, limitado pelos cunhais e dois pisos rasgando-se no primeiro duas portas de verga recta e no outro uma janela quadrada com portadas de madeira, apresentando idêntico coroamento ao descrito atrás. O alçado Este com organização idêntica, varia no número de aberturas no primeiro registo, duas portas de verga recta alternando com duas janelas gradeadas e no segundo registo uma janela rectangular e duas frestas. A Sul do celeiro encosta-se a construção mais baixa, libertando o segundo registo do alçado, no qual se rasga uma janela quadrada.
O interior tem espaço único de duas naves separadas por arcada de pleno centro, com cobertura em abóbada de aresta, iluminadas pelas janelas e portas que se rasgam na estrutura murária.
Ao fundo da Rua da Misericórdia, aparece-nos de frente a Igreja pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Pereira, classificada como Imóvel de Interesse Público, Decreto N.º 95/78, DR 210 de 12 de Setembro de 1978.
A Igreja da Misericórdia de Pereira foi instituída numa antiga capela, dedicada à Senhora da Piedade, que continua a ser a padroeira actual. Esta capela era administrada por uma Confraria, com a mesma designação que possuía, para além da capela, Casa para Sessões, Torre de Despacho e Albergaria para acolher passageiros e peregrinos. Em 1498, o Juiz desta Confraria solicitou ao monarca, D. Manuel I, Privilégio de Misericórdia, uma mercê concedida, com Provisão e Compromisso, concretizados no ano de 1574, transformando-se em Irmandade de Misericórdia e constituída por 80 Irmãos. Fizeram-se obras de arranjo e complemento, confirmando-o uma pedra - cartorio anno 1724. Já antes de 1727 se mandara elaborar um projecto mas só com a entrada, nesse ano, para provedor, do capitão-mor Felix de Carvalho Pimentel, que serviu até 1753, se pensou seriamente na reforma. A 2 de Janeiro de 1729 assentaram-se as paredes (foi pedreiro António Gonçalves) Fizeram os madeiramentos dos telhados José Migueis e Francisco Neto. A 27 de Maio de 1730, estavam acabadas as paredes, madeiramentos e telhados. A frontaria só teve o remate definitivo nos anos de 1748-49, pelo pedreiro de Ançã, Matias de Andrade. A torre elevou-se de 1753 até 1757, obtendo os últimos arranjos em 1758, como indica a data sob o mostrador. A Misericórdia, ao longo dos tempos, tem-se regido por diversos Compromissos: 17/07/1748; 25/09/1861; 20/02/1870 e Estatutos de 22 de Agosto de 1913.
A fachada, tendo à esquerda a torre e à direita a nova casa do despacho, mostra um portal estilisticamente análogo ao do Colégio de S. Pedro, no pátio da Universidade de Coimbra, exemplo do barroco - joanino, raro na região centro. Enquadram o seu vão rectangular dois pares de colunas coríntias, o friso decorado de enrolamentos, sobre os começos de frontão interrompido assentam as esculturas rudes da Caridade e da Esperança. A meio, sobre o vão, uma composição de pilastras decoradas encerra um baixo-relevo, da Senhora da Misericórdia. No triângulo da empena, um escudo nacional entre decoração barroca, mais tardia.
A torre apresenta porta ornamentada e remate quadrado, bolboso e de fogaréus. A porta do despacho, de meados do século XVIII, é ladeada por duas colunas jónicas, englobando na composição a janela - sacada e varandim de ferro.
A igreja é de uma só nave, possui pavimento de mosaicos, tecto de arestas de madeira no corpo (sem pinturas) e capela - mor
No corpo da igreja, ladeando o arco cruzeiro, estão altares colaterais com retábulos de talha nacional, enquadrados por colunas torcidas, da fase joanina e ornamentadas com motivos barrocos: vegetalistas, figurativos e fauníticos. As tribunas desses altares são ocupadas por esculturas de madeira de S. José e Santo António.
A capela - mor situa-se num plano superior ao do corpo, através de degraus de pedra. O retábulo maneirista é de largas composições salomónicas com grinaldas de flores e exuberantes construções do barroco - joanino onde predominam motivos vegetalistas, figurativos e fauníticos. Tem camarim central ocupado pela escultura de Nossa Senhora da Piedade. No remate está o escudo nacional apresentado por anjos tarifários. As esculturas maneiristas de Santa Ana e S. João Baptista enriquecem o retábulo principal.
Todos os retábulos, de colunas torcidas, da fase joanina (o altar-mor data de 1731 e os colaterais de 1738), foram executados por Jerónimo Ferreira de Araújo, mestre entalhador.
Possui a tribuna usual dos mesários, típica das Misericórdias, colocada à direita e de colunas lisas jónicas. A capela - mor e o corpo da igreja revestem-se de painéis de azulejos, enquadrados em composições concheadas com altas e decoradas cabeceiras recortadas, azuis na capela - mor e polícromos no corpo. São puro fabrico coimbrão, de oficina artesanal, obra executada entre 1770 e 1785. Os da capela - mor representam temas Marianos e os do corpo evocam cenas da vida de Jesus Cristo, sendo à direita cenas da infância e à esquerda da Paixão alternando com paisagens.
Sob a Casa do Despacho, do lado direito da Igreja, fica a Casa do Lavabo, local provável da antiga capela, singelamente decorada e a sacristia onde está um arcaz de almofadas, obra do mestre carpinteiro de Santo Varão, Manuel João Seco, executado antes de 1744. O tecto é de madeira pintada de enrolamentos e grinaldas a envolver o escudo nacional executado por Domingos Correia e Manuel Pereira, em 1748.
Mas a abordagem do património edificado de Pereira não estaria completa se não referíssemos a Igreja Matriz de Santo Estêvão, localizada perto da Igreja da Misericórdia, também ela classificada como Imóvel de Interesse Público, Decreto N.º 38491, DG 230 de 6 de Novembro de 1951. É um edifício típico provinciano da transição de quinhentos para seiscentos, apesar de ter três naves (elemento raro em edifícios deste género). Apresenta planta simples longitudinal e cobertura de madeira nas naves, paredes planificadas e simples aberturas, notando-se no portal Sul e na janela do coro a presença da decoração barroca de setecentos.
Nada se sabe sobre a sua fundação, no entanto, quando foi demolido o cunhal do primeiro arco da nave, junto à capela-mor, dizem que apareceu uma pedra redonda, como as dos moinhos. Nela gravava-se, em relevo, dum lado um lavrador curvado sobre o arado que era puxado por uma junta de bois e tinha, perto, um saco cheio atado pela boca que um rapaz tentava desatar. No reverso, estavam um carro, umas grades, um rodeiro, uma carga, solas, etc, tendo em volta a seguinte legenda: Os lavradores, os caseiros e mais povo, as nossas custas. Esta pedra desapareceu em data incerta.
A Igreja assenta sobre uma mais antiga, estando agora a um nível superior, devido a alteamentos sucessivos do pavimento (uma vez que era constantemente inundado pelas enchentes do Mondego). Desde o século XVI (1595) tem sido alvo de obras e restauros custeados pelo Erário Régio, Confrarias do Santíssimo e Almas, Bulas de Cruzada, legados de Santa Maria e esmolas do povo.
O pároco era de apresentação do padroado real, tendo o rendimento de 300$000 reis. Porém, mais tarde e até
A porta lateral tem um pórtico concebido pelo mestre canteiro de Pereira,
Em
A 12 de Março de 1960, uma faísca demoliu um cunhal, mais tarde reparado pelos Monumentos Nacionais. O coro foi objecto de reformas e reparações no século XVIII. Desde os anos 50 do nosso século até à actualidade, este edifício sofreu intervenções da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: 1952 - reparação da cobertura da torre sineira, da sacristia e reconstrução da parede esquerda da nave; 1955 - reparação dos tectos; 1956 - reparação das paredes e pavimentos da sacristia; 1957 - reparação do muro do adro; 1959 - reparação dos altares e retábulos; 1960 - reparação geral da torre; 1963 - instalação eléctrica; 1986/1987 - obras de beneficiação; 1998 - reparação das coberturas da sacristia e capela-mor, drenagens exteriores.
A praia fluvial, na vila de Pereira, com o aproveitamento das belas paisagens do rio, local de lazer e convívio.
SEGUNDA VIAGEM: TENTÚGAL
Atravessando os campos do Mondego e como escreve José Saramago, na sua obra Viagem a Portugal, Para Tentúgal, não tem nada que errar. É ir a direito pela estrada de Coimbra, há um desvio, está logo lá. Não faltam em Portugal povoações que parecem ter ficado à margem do tempo, assistindo ao passar dos anos sem mover uma pedra daqui para ali, e contudo sentimo-las vivas de vida interior, quentes, ouve-se bater uma coração[1].
Aqui, o viajante deleita o seu olhar numa vila que guarda o ar de um passado de nobres esplendores, podendo também encontrar alguns locais de cariz regional para almoçar.
Entrando em Tentúgal, chegamos ao Largo da Chieira e Relveiro. Aqui vislumbramos uma panóplia de obras-primas arquitectónicas. A primeira não poderia deixar de ser a Igreja da Misericórdia, classificada como Imóvel de Interesse Público, Dec. N.º 37728, DG 4 de 05/01/1950.
A Misericórdia de Tentúgal deve a sua fundação ao Rei D. Filipe I que, por Alvará datado de Lisboa de 6 de Março de 1583, mandava anexar à Misericórdia a Irmandade de S. Pedro e S. Domingos e o hospital que esta administrava. Seguia assim a corrente que desde D. Manuel vinha sendo adoptada.
É curioso notar que Tentúgal foi das poucas vilas,
As obras da Igreja começaram pela fachada por volta de 1583, data dos primeiros pagamentos a pedreiros para abrirem os alicerces, bem como carregamentos de pedra de Portunhos e de Ançã. Estas obras prolongaram-se por algum tempo e, ainda em 1587/88, Manuel Fernandes trabalhava na empena do portal (esta foi posteriormente alterada, sofrendo remodelações no século XVIII). Em 1592, foi paga a
O retábulo principal, também da autoria de Tomé Velho, estava concluído em 1600. Em 1687/94 foi construída a tribuna dos mesários, obra de
Em 1914, ocorreram obras na Igreja, ficando profanada e daí a necessidade de a benzer e levar o Provedor a solicitar ao bispo de Coimbra o seguinte requerimento:...achando-se profanada a capela da Santa Casa da Misericórdia de Tentúgal em consequência de se terem ali realizado obras que estão concluídas, resolveu esta Irmandade solicitar a V. Ex.ª R.ma autorização para ser benzida, como foi recentemente nomeado Capelão o R. do Bernardo Augusto de Souza Monteiro vou rogar a V. Ex.ª que este o escolhido para esse fim, ou o Sr. Arcipreste R.do Abel d'Almeida e Souza, de modo a poder ser utilizada a dita Capela para no próximo Sabado 28 do corrente receber a Imagem do Senhor dos Passos destinada a Matriz segundo antiquíssimo costume. Tentúgal, 22 de Março de 1914 // O Provedor, António Soares Couceiro // A licença e Provisão de benção foi concedida a 24 de Março de 1914 assinada pelo conego Rui de Andrade.
O arco existente entre a Igreja e a Casa do Despacho (entaipado) é anterior à extinção dos vínculos (1863) e dava serventia para os edifícios do beco. Os Monumentos Nacionais intervieram na Igreja por diversas vezes: em 1979, reconstruíram a cobertura em pré-esforçado; em 1981, repararam o tecto e fachadas; e em 1986/87, realizaram obras de beneficiação (conclusão do restauro).
Em termos arquitectónicos, é uma vasta construção que tem anexa a Casa do Despacho e outras dependências, em puro estilo da Renascença, dos fins do século XVI, constituído por um paralelepípedo rectangular sem capela-mor, substituída por altar-mor. Este destaca-se ao fundo da sua ampla nave, assente sobre uma tribuna, à qual dão acesso duas elegantes escadarias laterais, de pedra, tendo estas e a tribuna uma magnífica e bem trabalhada balaustrada, boa obra de tornearia seiscentista. Sob a tribuna, há um grupo escultórico, da mesma época e dos mesmos artistas, representando uma Deposição no Túmulo (o Senhor Morto e, a velarem-no sete bustos que formam um círculo de ternura).
Toda a altura e largura da nave estão ocupadas por um retábulo em pedra de Ançã, de finais do século XVI, também da Renascença, de boa qualidade mas não tão exuberante como o da igreja matriz. São trabalhos da escultura coimbrã, idêntica aos da Igreja da Misericórdia de Montemor-o-Velho. De composição única abrangendo as três mesas, tem colunas no andar baixo e colunelos-balaústres no alto, abrigando baixos-relevos e imagens soltas: ao centro a Visitação e a Senhora da Misericórdia, em baixos-relevos; nos intercolúnios as estátuas dos Doutores Santos Gregório e Agostinho, Ambrósio e Jerónimo; nos espaços imediatos aos baixos-relevos da Anunciação, Adoração dos Pastores e Adoração dos Magos, Sonho de S. José, Natividade da Virgem e Apresentação no Templo; nos extremos as esculturas de S. Pedro e dum Santo Bispo, ladeados de dois anjos, um como porta-báculo, outro turiferário; acima vêem-se dois baixos-relevos, de S. Domingos e de S. Francisco. As três mesas são de madeira do século XVIII.
De salientar também uma tribuna lateral, tribuna dos mesários, datada de 1687/94, tendo, na frente, três vãos, divididos por duas colunas dóricas de fuste canelado sobre podium e um gradeamento de ferro batido. Aqui foi colocada uma charola de oito colunas torcidas, do fim do século XVII, com Cristo flagelado.
Do lado esquerdo, um púlpito elementar com escadaria e bacia em pedra, envoltos num corrimão assente numa balaustrada
Na fachada, o pórtico (constituído por duas colunas coríntias e arco decorado, de duplo aro), verdadeira obra-prima da Renascença e a ladear o portal encontram-se o anjo inspirador da Rainha D. Leonor e esta soberana com trajos da corte, em atitude votiva, o escudo dos Cadavais/Marqueses de Ferreira/Condes de Tentúgal ao meio e a data de 1586. Ambas as esculturas estão apoiadas em elegantes mísulas e encimadas por dois rendilhados dóceis. O pórtico é encimado pela janela do coro enquadrada por pilastras, à qual se sobrepõe o baixo-relevo da Virgem da Misericórdia, com o letreiro - MISERICORDIAS D(OMI)NI e a cruz, posterior, de ornato popular.
A torre, à esquerda do edifício, datada de 1722, tem uma ventana de cada lado e um remate piramidal coberto com azulejos azuis e brancos. Um dos sinos tem a data de 1840 e outro a de 1897, sendo este fundido por José Augusto, de S. João das Areias. O patamar apresenta grade de ferro, de varões anelados (séculos XVI-XVII). A igreja tem duas portas laterais a comunicar com a rua: a do norte ia ter a uma espécie de beco com serventia para o arco (entaipado) e a do sul para uma pequena travessa entre a igreja e o Solar dos Viegas de Novais.
Em frente da Igreja está a Capela de Nossa Senhora das Dores. É um edifício do século XVIII, de nave única. Antigamente, tinha o orago de Nossa Senhora da Oração.
Mantém um pórtico estilo D. João V (Joanino), com porta principal rectangular, ladeada por pilastras hermes com o escudo da Paixão entre os enrolamentos do frontão interrompido. Este é encimado por um óculo quadrilobado. As duas portas travessas apresentam cimalha ondulada, preenchida por uma concha.
Tem, no seu interior, três retábulos de duas colunas: o principal (do Calvário) e dois colaterais, São José e Nossa Senhora das Dores. Num nicho lateral, encontra-se a cabeça e duas mãos de São Cristovão e a escultura de São Brás, do século XVI.
Daqui percorremos algumas ruas deste Centro Histórico tão rico e chegamos à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Mourão, classificada como Imóvel de Interesse Público, Decreto N.º 37728, DG N.º 4 de 05/01/1950. D. João I, a 11 de Janeiro de 1417, doou Tentúgal a seu filho, D. Pedro, incluindo o padroado da Igreja, ou seja, os dízimos.
A Igreja antiga ainda existia como paróquia, mas alguns anos depois, D. Pedro mandou construir uma nova, de grandes dimensões. Ignora-se se terá sido após a construção do novo templo que a Igreja passou a ser Priorado. Há noticia de um Prior, falecido antes de 1434, de nome António de Vasconcelos e que foi sepultado no Convento velho de S. Domingos de Coimbra. Assim, a Igreja teve Reitor até 1288, depois Vigário até 1420 e a seguir Prior.
Confiscados aos bens a D. Pedro, passou o padroado da Igreja para os Reis e, depois, por carta de troca, efectuada a 28 de Julho de 1476, para D. Álvaro, filho do Duque de Bragança. A um filho deste, Rodrigo de Mello, concedeu o Papa Paulo III, pela Bula de 2 de Dezembro de 1541, duas terças partes dos rendimentos desta Igreja para com eles instituir benefícios simples. Esta situação manteve-se até à extinção dos Padroados em 1833.
A esta igreja esteve associada a Confraria de Nossa Senhora da Assunção e Mártir São Sebastião. Foi a segunda confraria mais rica de Tentúgal. O Livro da Confraria apresenta informações importantes sobre a sua fundação e história: foi criada e ordenada pelas principais pessoas de Tentúgal, para que em seu louvor se celebrassem os ofícios solenes e se festejasse o dia com todas as festas. Juntou-se-lhe a Confraria do Mártir São Sebastião, uma vez que o prior era seu devoto, para além de existir na Igreja uma relíquia daquele mártir. Os Capítulos da instituição foram aprovados pelo Bispo-Conde D. João Galvão, a 11 de Junho de
Este edifício sofreu diversas intervenções pela Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: 1948 - reconstrução de telhados; 1960 - substituição do tecto da capela-mor, pavimentação, arranjo das capelas laterais, reparação da escada exterior de acesso à torre; 1963 - reparação de rebocos interiores, da teia do coro e do vitral da capela-mor; 1995 - obras de recuperação de coberturas; 1996 - reconstrução de rebocos exteriores, drenagens; 1997 - consolidação do coro-alto, reparação e limpeza dos tectos da nave e capela-mor; restauro e conservação de pinturas em tela e tábua; 1998 - obras de beneficiação interior: reparação do tecto da capela-mor e respectiva estrutura de suporte, conservação do zimbório da capela da Epístola, substituição do fuste das colunas de suporte do coro-alto, etc.
Trata-se de uma construção com características de meados do século XV, apresentando alterações de obras dos dois séculos seguintes. O pórtico, a rosácea e o exterior são da primitiva construção (estilo gótico simples), bem como a torre, apesar de ter sofrido pequenas modificações posteriores (escada exterior e acessível por uma porta gótica. Na parte superior da torre abrem-se duas janelas de arcaria, para sinos, uma delas possuindo, na parte de dentro também uma arcaria gótica. É ameada e tem uma cúpula rematada por um catavento.
O corpo da igreja tem, exteriormente, vários acrescentos, nomeadamente, as Capelas do Santíssimo, de Jesus e uma outra onde esteve o Senhor dos Passos; a sacristia nova e a sacristia velha, todas obras posteriores à primitiva fábrica.
Nas paredes laterais da Igreja há duas portas góticas pequenas (a do lado sul foi entaipada pelo lado de dentro). Nas mesmas paredes laterais, norte e sul, existem quatro frestas horizontais que também foram entaipadas interiormente quando da construção das capelas ou altares laterais nos finais do século XVI e princípio do seguinte.
Outro aspecto bem visível na parede da frontaria é que o telhado antigo era muito mais alto e tinha maior inclinação do que o actual, o que daria ao edifício um aspecto muito mais harmonioso e equilibrado.
No interior impera o estilo renascença, com excepção da Capela do Santíssimo Sacramento. É assim constituído pelo altar-mor, Capela do Senhor Jesus ou Senhor dos Passos, Capela do Santíssimo Sacramento, Capela de Nossa Senhora do Rosário, Capela de Nossa Senhora da Conceição, Capela das Almas, Capela do Espírito Santo, baptistério.
O tecto da igreja é de madeira, em cúpula, do século XVIII. O coro, também de madeira, assenta sobre quatro colunas dóricas, de pedra. Provavelmente, estas obras são da autoria do Prior D. Jayme de Mello. O pavimento é todo de lages grandes entremeadas por túmulos, alguns com dizeres apagados, actualmente coberto com sobrado de pinho, que lhe tirou os vários níveis, muito vulgares nos templos antigos. Além dos dois túmulos da capela-mor, existe um outro, entre as grades da capela-mor e do transepto, do Prior Diogo de Mello. Dentro do edifício, de cada lado do pórtico principal e a meia altura, estão duas cruzes de templários, de pedra, incrustadas na própria parede. Isto prova que a Igreja foi sagrada por um Bispo.
Já no coração do Centro Histórico encontramos a Torre do Relógio, também ela classificada como Imóvel de Interesse Público, Decreto N.º 37728, DG n.º 4, de 05/01/1950, sendo uma construção de origem medieval, denotando ainda feição gótica, não só numa certa verticalidade como no tipo de aberturas e coroamento. Fazia parte do edifício dos Paços do Concelho e é idêntica à torre da igreja matriz.
Há autores que afirmam que terá sido a torre de menagem de uma fortificação, o que nos parece pouco provável. Pode é esta ter sido construída no sítio da anterior. No século XVIII, Luiz Cardoso afirmou que a torre parecia ter servido para observação e que segundo a tradição teria sido edificada pelos mouros. Elogiou ainda a dureza do material utilizado na sua construção, uma vez que apesar das paredes serem delgadas e com uma altura considerável, não apresentava qualquer sinal de deterioração, sustentando dois sinos, um da Câmara e outro do relógio. Tal como já afirmámos não nos parece muito verosímil esta hipótese. Por outro lado, há quem afirme que a torre fazia parte do castelo ou dos Paços do Concelho. Também segundo a tradição, existem referências a umas estrebarias do Infante D. Pedro, duque de Coimbra, no local onde está o largo (atrás da torre), bem como parece ter havido ali no século XIX umas casas velhas com uma janela manuelina semelhante à da Quinta do Lapuz.
Deve ter sido mandada construir pelo Infante D. Pedro, talvez sobre construção anterior. Foi torre do relógio da Câmara de Tentúgal e actualmente é pertença da Junta de Freguesia.
Em
Trata-se de uma torre quadrada, estreitando na altura, com porta gótica (arco quebrado com arestas chanfradas em triângulo, para a rua principal. No interior tem outra também gótica, entaipada, que confina com as antigas casas da Câmara à altura do primeiro andar. No rés-do-chão existem ainda vestígios góticos, duas arcarias antigas e alguns tectos abobadados. Um pouco acima da altura dos telhados, há uma janela gótica na parede sul da torre e uma seteira cruciforme. Nas faces surgem ventanas e um relógio. A construção é coroada por quatro merlões.
Chegado ao vetusto Largo do Rossio, o viajante encontra o majestoso edifício do Convento de Nossa Senhora da Natividade. Esta casa monástica tem a sua origem na Confraria de São Pedro e São Domingos de Tentúgal. Esta confraria possuía avultada extensão de terras cujos rendimentos eram aplicados na satisfação de obrigações da comunidade (entre elas a celebração de três missas diárias na Ermida com o mesmo nome). O sobejo desses rendimentos, eram aplicados em esmolas de géneros e espécies aos mais pobres da vila.
Contudo, muitas vezes estas verbas eram aplicadas de forma menos escrupulosa, beneficiando quem não tinha necessidade. Assim, em certa ocasião reuniram-se todos os regedores da Confraria e determinaram, por comum acordo, aplicarem as rendas da Confraria na fundação de um convento de freiras da Ordem de S. Domingos, por ser padroeiro da mesma confraria, com a condição de que se retirasse parte para os pobres, missas e reparação do hospital. Depois deste acordo, pediram ao Papa e a D. Sebastião que deferissem a petição e mandassem passar as suas bulas e provisões, tendo ambos assinado estes documentos.
A data da fundação deste convento é controversa, sendo a mais provável recair no ano de 1565, uma vez que apesar da boa vontade dos irmãos da confraria em fundarem um convento da ordem de S. Domingos, o seu desejo nunca foi realizado. Só mais tarde, algumas pessoas de maior influência de Tentúgal determinaram a fundação de um convento de religiosas do Carmo e por isso solicitaram as bulas papais necessárias. E foi este que foi construído.
Os beneméritos lançaram a primeira pedra a 8 de Setembro de 1565, data comemorativa do nascimento de Nossa Senhora, que ficou sua padroeira. O convento foi edificado na Ermida de São Pedro e São Domingos, sendo provável que o primitivo edifício da igreja do convento fosse mesmo esta ermida. A Confraria cedeu a ermida mediante o pagamento de 150 cruzados para edificar a Misericórdia.
O Conde de Tentúgal, D. Francisco de Melo, assumiu os direitos de padroado, apresentando as primeiras 15 freiras que iriam ocupar o convento. Estas proveriam outras 15 para perfazer o número de ocupação total do convento. As primeiras religiosas entraram no convento a 8 de Setembro de 1572 (algumas delas vieram do Convento da Esperança de Beja).
A construção e a manutenção desta casa conventual fez-se a expensas das rendas da Confraria, a legados do instituidor, o Conde de Tentúgal, e aos dotes das religiosas que a iam integrando. Apesar disso, as despesas eram muitas e as religiosas viveram com graves dificuldades. Queixaram-se, então, ao Provincial que solicitou a D. Filipe auxílio para elas, o qual, por alvará de 10 de Outubro de 1596, concedeu grandes benefícios em matéria de mantimentos.
Devido à falta de verbas a construção foi irregular e prolongada. O edifício actual é uma reforma do século XVII, significando a data da porta da igreja (1633) e a de 1632 num friso interior o início daquela reforma e principalmente em relação à igreja. A data de 1693, que se via na cruz do remate da ala lateral, deveria corresponder ao fim das obras da parte conventual.
As religiosas viveram sempre com grandes dificuldades, como é exemplo a situação em que se encontravam em 1816: caíram os muros da cerca, tinham entregue todas as preciosidades de ouro e prata que ornavam a igreja para contribuição de guerra, foram despojadas com os roubos das invasões francesas. Consequentemente, pediram ajuda à Duquesa do Cadaval que as isentou do pagamento de alguns impostos e as beneficiou com algumas rendas.
Em 1834, este convento foi extinto conforme decreto governamental, permitindo-se, no entanto, às religiosas a permanência no convento até à morte da última freira, que ocorreu a 18 de Fevereiro de
Já no século XX, o convento foi abrigo de recolhidas, ou seja, mulheres que sem professarem a ordem ali viviam, para auxílio e companhia das freiras. Ao que parece, foi D. Maria da Glória a última sobrevivente, tendo sido coagida a sair aquando do arrasto ao Convento pela Fazenda Pública, em 1911, acabando por falecer em Coimbra, em casa de familiares, durante a década de 30.
Inicialmente, o Convento ocupava uma área considerável e era constituído por vários corpos díspares, sem claustro. A ligação de cornijas e de cunhais nas fachadas da igreja e da portaria mostra que estas partes foram concebidas e realizadas com harmonia arquitectónica.
Actualmente, conserva-se a igreja, a portaria (incompleta) e quase toda demolida a parte dos dormitórios.
A fachada principal mostra, à esquerda a portaria, e em plano mais avançado a igreja. A portaria tem entrada rectangular, ladeada por pilastras, com um nicho no remate, com uma escultura de Santa Teresa. Às frestas deitadas das lojas seguem-se as janelas de entresolho e as grandes do andar nobre. No ângulo do edifício destaca-se, acima da cimalha, o mirante de desafogo, com as rótulas de pedra. O interior da portaria apresenta a roda conventual e restos de azulejos polícromos. A parte que resta da parede perpendicular do convento é de tipo utilitário.
A fachada da igreja aparece dividida por pilastras em dois tramos: o dos coros, de janelas simples, e o do corpo, rasgando-se neste o portal entre duas altas frestas. O portal, rectangular entre pilastras dóricas, é rematado por um nicho com uma Santa Teresa de pedra e ladeado por dois altos pináculos. Os batentes, de fortes almofadados e pregaria, são bons exemplares de seiscentos.
Tanto o corpo como a capela-mor são abobadados de pedra, em quartelas com bocetes decorados nos claros. A capela-mor foi a primeira a estar concluída, talvez antes de 1616. O arco cruzeiro, de molduras e ornatos clássicos, é bem concebido. Ao lado esquerdo da capela-mor encontra-se a janela gradeada do comungatório, ladeada de dois postigos.
Os retábulos, de madeira, são da segunda metade do século XVIII, de ornatos concheados: o mor, de tribuna central e duas colunas laterais; os outros só de duas colunas. As esculturas são obras correntes da mesma época. Envolve a igreja um alizar de azulejos polícromos, de tapete, de fabrico de Lisboa, do século XVII.
A pequena torre levanta-se ao lado do coro e ao oposto da rua. É do final do século XVIII (1800), com cobertura oitavada, revestida de azulejos polícromos do século XVII.
Os coros abrem-se para a igreja por duas grandes janelas rectangulares sobrepostas, com grades de ferro, sendo duplas as inferiores. No coro de baixo encostam-se às paredes quatro pequenos retábulos ou nichos dos séculos XVII e XVIII. O coro de cima tem cobertura de madeira, em forma de gamela, repartido em painéis, sendo o central reborado de um largo rótulo em relevo, do século XVII. O cadeiral é singelo, seiscentista. A cerca ocupa uma área de vegetação onde se inclui uma azenha, desactivada (que foi incendiada) onde ainda restam alguns azulejos e uma fonte, em avançado estado de degradação.
Estruturado para a liturgia e para o social, ao convento não faltava também a botica, onde se preparavam os ingredientes para as sigilosas receitas terapêuticas contra as pestes e febres, aplicadas no hospital, situado mesmo em frente do Convento.
Aliás, não fora esse secretismo, a que o juramento as obrigava, bem como a posterior e significativa devastação do seu património documental, poderíamos hoje conhecer e provar todos os deleitosos manjares que o tempo levou consigo.
Como afirma Alfredo Saramago, os doces eram as formas escolhidas para representação das comunidades conventuais e, por essa razão, deviam ser o reflexo da casa monástica, tentando colher o reconhecimento de quem os comia. Para celebrar acontecimentos relacionados com a vida do convento, eram oferecidos doces, constituindo também requintados presentes, oferecidos por abadessas e prioresas aos reis e mais altos dignitários.
Ali mesmo, entre o silêncio das grossas paredes do convento, encontraram no exercício da cozinha, o complemento para as horas litúrgicas, uma alternativa para os encantamentos e os enlevos da música, uma transfiguração para os rigores ou para as surpresas da grade[2].
Não podemos ignorar que tanto a organização familiar, como o estabelecimento do morgadio, lançaram nos conventos, na sua grande maioria filhas da nobreza levam consigo criadas, açafatas e até mesmo escravos que as auxiliam no exercício de tarefas servis ou menos dignas, ficando livres para outras funções, como seja o canto, as rendas, os bordados e registos, as técnicas do papel recortado e a doçaria.
Em Tentúgal, tal como em outros conventos, os doces foram consequência de hábitos alimentares refinados, de exigentes paladares, confeccionados para regalar as pessoas que habitavam os conventos ou que lhes eram próximas.
Porém, quando o convento começou a empobrecer, os doces mudaram de destino, indo parar à roda da portaria, à espera de serem trocados por algumas moedas que equilibrassem a economia doméstica.
Ao que tudo indica, parece que a receita dos pastéis teria saído das portas do Convento antes de 1898. Aquela, surge mencionada em inúmeros livros de cozinha, só que o seu fabrico envolve todo um ritual celebrado entre o tempero das mãos, a farinha e a água que de pouco valem os receituários. Há uma entrega do espírito na confecção do material, tornado obra de arte, conseguida através de muita sabedoria, muito ritmo, muita aprendizagem. Diz-se até, ser ao som do piano que as doceiras de Tentúgal, ritmavam o fabrico da massa das folhas finíssimas que envolvem os ovos-moles.
No Convento de Nossa Senhora da Natividade, as irmãs conserveiras, normalmente duas, entregavam sigilosamente, o testemunho receituário da voluptuosa culinária conventual às suas sucessoras. Doces de requintada composição em que o açúcar, os ovos, o mel, a amêndoa raramente faltavam, apenas variando a quantidade e a forma. Apesar de só ficarem para a história os pastéis e as queijadas de Tentúgal, existia toda uma infinidade de doces, muitos deles por influência marcante dos Conventos de Beja que conseguimos compilar.
Tomando como prologo estas palavras, justifica-se uma paragem nas várias unidades de fabrico da doçaria, para que o viajante possa não só saborear pausadamente as delicias de Tentúgal, como ver ao vivo o ritual da sua concepção.
Um comentário:
Deliciosa viagem...
... a vida tb é assim, mtas rotas, mtas histórias e algumas receitas que ficam e perpétuam... a das coisas «boas»!
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