4 de mai. de 2017

O que aprendi com a vivenda do vizinho

Neste quarto virado para a rua aprendi a ter o cuidado de me proteger dos olhares curiosos de quem passava lá fora.
O que não queria que fosse visto aprendi a esconder por detrás de semi-transparências, cortinas e estores. Mas, quem vive virado para a rua sabe que um olhar mais curioso espreita pelas frestas, pelas cortinas esvoaçantes, pelos buracos dos estores e encontra sempre forma de ver o que não se queria visto.
Eis então que surge com grande aparato uma vivenda do outro lado da rua. Grande, nova, vistosa, de muros baixos, janelas rasgadas e episódios triviais a acontecerem por detrás dos vidros. Logo os olhares se viraram para aquele lado da rua, agora completamente alheios ao que se passava dentro do meu quarto. 
Agora, acontecesse o que acontecesse mesmo ali ao alcance do olhar de todos ninguém vería.
Então aprendi que o nosso olhar e a nossa atenção facilmente são desviados do que quer ser escondido para o que quer ser mostrado; que só os mais atentos continuam conscientes dos quartos do outro lado da rua, onde muito se passa sem ser visto.
É escusado fazer o paralelismo com a vida pública pois todos percebem que somos fáceis de distraír com coisas triviais, bonitas e cheias de graça, que nos cegam para o essencial que acontece, ou não acontece, por trás das portas dos gabinetes.
No mundo que imagino e desejo e pelo qual me bato a política acontece atrás de grandes montras de vidros limpos, portas abertas e muros baixos, numa exposição pública ao alcance de todos os olhares. Na política que defendo não há vivendas bonitas construídas para nos fazerem olhar para o lado.

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