28 de jan. de 2016

Impulso

" E se de repente um desconhecido lhe oferecer flores, isso é 'Impulso'"

Aquele impulso dela, chegando a mim de repente, rompendo por entre a pequena multidão que, como sempre, se aglomera - bisbilhoteira e incoveniente - à volta de quem está a ser atendido por nós, foi como um pequeno choque ( um impulso eléctrico!) que me queimou a pele e fez brotar, incontroláveis e instantâneas, duas lágrimas - uma nos meus olhos e outra nos dela.
Sem uma palavra, sem aviso, estendeu-me uma rosa e um sorriso!
Consegui ver o agradecimento nos olhos e o coração serenado no rosto.
Num reflexo rápido tive tempo de beijar aquela mão que me estendia uma rosa vermelha e dizer, num tom que só nós as duas inteligimos, " boa sorte" .
Ela foi como veio, em silêncio, esgueirando-se por entre a pequena multidão, sem ser notada, anónima.
Aquela desconhecida de quem ainda não sei o nome sentara-se à minha frente no dia anterior. Vinha destroçada, inquieta, de olhar perdido. Agarrava-se a uma ilusão de controle da realidade através de um caderninho e uma caneta onde tivesse ensejos de apontar tudo, organizar a vida e tomar as rédeas do seu destino.
Sem saber, como nunca sabemos nestes momentos da vida, vinha desgrenhada, com as ideias enrodilhadas num novelo a que desesperadamente tentava encontrar a ponta. Fora atropelada pelo desemprego e depois como que arrastada pela via sacra da burocracia. Estava ainda baralhada, como ficamos num acidente, e percebia-se que só queria continuar com a vida dela, apesar das feridas.
Estava indignada, até revoltada, porque percebera - como poucos! - que a Segurança Social desincentiva o trabalho, castiga quem, em situação de desemprego, não quer ficar quieto, quem quer lutar pelos próprios meios, nos próprios termos. Mas, apesar da revolta havia uma certa submissão ( uma auto-estima esmagada!?) e o contacto com as finanças foi uma tentativa derradeira de encontrar uma resposta diferente, um caminho alternativo.
Explica que já tinha sido jornalista e que agora queria retomar esse projecto como "free-lancer" pois acabara por abandonar esse caminho de realização pessoal em troca de uma segurança que agora afinal se revelou falsa!
Falou, falou muito, num discurso confuso, um pouco envergonhada, mas sem parar. Eu ouvi-a atentamente, em silêncio, e quando o ritmo do débito de palavras amainou interrompi-a firmemente e numa voz grave e serena só lhe disse " tenha clama, vou tentar ajudá-la"
O efeito destas palavras foi incrível! Foi como se estivesse a olhar para uma náufraga que nadara tanto em mar aberto, sem desistir, sem se render, que quando encontrou naquelas palavras o seu porto seguro, sucumbiu ao cansaço e finalmente relaxou, de braços caídos, incrédula...
Passámos às questões práticas: sugeri-lhe que para já não fizesse nada e que nos procurasse quando tivesse algo mais concreto, cá estaríamos para a ajudar a encontrar o melhor enquadramento fiscal.
Abriu um sorriso de alívio, agradeceu, perguntou o meu nome ( eu não perguntei o dela! " shame on me!) e foi embora quase serena. Não apontara nada no caderninho mas parecia ter encontrado a ponta do seu novelo mental.

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