16 de abr. de 2009

OLHAR PERDIDO

O olhar perdido daquela jovem foi como um murro no peito. Não pude ficar indiferente.

Esgueirei-me para trás dela por entre as pernas das outras jovens do grupo.
"- Óptimo, nem me viram!", pensei eu enquanto lhe segredava um olá.
Sem saber bem porquê, comecei a falar com ela.
Era como se tivesse tocado a essência da tristeza que lhe jorrava do olhar perdido. Como se previsse a razão de tanta tristeza. A solidão que ela sentia era quase tangível e escorria daquele olhar perdido, premonitório, a adivinhar a vida que a esperava, implacável. Mas era muito jovem. Como poderia saber...?
"Não te preocupes.", segredava eu, "Aproveita a a tua juventude, desfruta dos bons momentos, dos teus amigos, da tua família. Não deites fora o teu tempo! Sorri, ri, goza, vive. Sim, eu sei que tu sentes já o peso da solidão, a tristeza da perda...
Ainda que venha a dor atroz, a traição, a perda, a frustração, a incompreensão, (eu não lhe disse mas, não me perguntem como!, eu sabia que tudo isso a esperava!) não te preocupes. Confia em mim. Jamais estarás só, sempre terás muito amor à tua volta, serás abençoada pelo amor e pela harmonia. Sorri. Desfruta da felicidade que a vida tem para te dar. Prometo, a tua lua terá sempre um lado de luz muito brilhante, confia em mim!"
Enquanto estas palavras me saíam sem eu saber de onde vinham e como podia saber tanto sobre aquele olhar perdido, notava, intrigada, que a jovem não se mexia sequer. Eu não sentia qualquer reacção ao meu segredar no seu ouvido. Não lhe via o rosto, a expressão, no entanto tive a certeza que ela me ouvia!! Deixei de conseguir tocar a dor e comecei a ouvir o ronronar forte do gatinho preto que ela tinha ao colo, como se me agradecesse por serenar a sua dona. Adoro o ronronar dos gatos!!
"- João, João. Oh João acorda. Estás bem?"
Ao ouvir aquele chamar insistente do meu nome voltei a mim. Na mão segurava com força a fotografia daquele grupo de amigas que há 20 anos passaram um fim-de-semana na província...
Nos seus rostos corados pelo frio haviam sorrisos de felicidade. Só eu tinha aquele olhar perdido e o meu gatinho preto ao colo. Ainda me lembro do nome dele - Panchito!
"- Oh João, já olhei para essa fotografia tantas vezes e só hoje me parece que estavas a sorrir! Engraçado como antes sempre me pareceste triste!" disse a Catarina, a minha amiga da adolescência que hoje vim visitar para matar saudades.

Abril, 2009

Um comentário:

Carina Cadima disse...

... a força da saudade de uma fotografia...
... um sorriso que finalmente surgiu...
... mas uma mulher que cresceu e que sabe o que é preciso para VIVER!
Humildemente afirmo que a maior prova de sabedoria é esta capacidade de nos observarmos desde outro plano...
à autora: Espero que essa fortaleza nos traga mais do mesmo - novos e muitos contos!